As palavras voam, a escrita fica
Datas comemorativas, costumes e ditados populares. De onde vem nossos costumes do dia a dia?
Saber porque na nossa cultura os aniversários são comemorados com bolo, velas e o tradicional “Parabéns a você”, porque o Papai Noel se veste de vermelho e porque um coelho se transformou em personagem-símbolo da Páscoa é um desafio para muitos. É na disciplina de cultura brasileira que temos a oportunidade de estudar essas curiosidades. Tão comuns no nosso dia a dia, tão sem explicações em nossas cabeças. Pessoalmente, o que é curioso e atípico me encanta. E foi justamente procurando a atipicidade dos momentos que pensei: ao invés de fazer um trabalho nas coxas, porque não buscar as explicações e significados das frases e ditos que pronunciamos no dia a dia?
É mais fácil um camelo passar pelo buraco de uma agulha do que reconhecer alguém que saiba qual a origem desses ditados. A quem já sabe, parabéns! É de tirar o chapéu tamanho conhecimento. Dessa forma, fique à vontade para dispensar esta leitura. Mas para quem é curioso e não gosta de ficar a ver navios, seja bem-vindo! Até porque, o pior cego é aquele que não quer ver.
Vamos lá. Antes tarde do que nunca! Porque em todas as situações, a ocasião faz o ladrão.
Algumas expressões surgiram de acontecimentos gerais e históricos, tais como:
- Tirar o chapéu - É utilizada no sentido de demonstrar respeito por alguém ou por alguma coisa. A origem da expressão vem da época em que as pessoas tiravam o chapéu quando passavam em frente a um templo religioso, numa atitude de respeito.
- Ir para o quinto dos infernos - Na época da mineração no Brasil colônia, havia um imposto da coroa portuguesa que se chamava 'quinto', pois era cobrado um quinto de toda a mineração de ouro e outros metais. Dizia-se quando alguém tirava seu ouro e falava "Essa parte vai para o quinto dos infernos”, como uma forma de protesto oral contra a cobrança de impostos.
- Agulha e camelo - No Novo Testamento, no livro de São Mateus, está escrito "é mais fácil um camelo passar pelo buraco de uma agulha que um rico entrar no reino dos céus". O problema é que São Jerônimo, o tradutor do texto, interpretou a palavra "kamelos" como camelo, quando na verdade, em grego, "kamelos" são as cordas grossas com que se amarram os barcos. A idéia da frase permanece a mesma, mas qual parece mais coerente?
- OK - Durante a Guerra de Secessão, quando as tropas voltavam para o quartel após uma batalha sem nenhuma baixa, escreviam numa placa imensa: "0 Killed"(zero mortos). Dai surgiu a expressão "O.K." para indicar que tudo correu bem.
- Fazer nas coxas - Os telhados na época pós-descobrimento do Brasil não eram simétricos como os telhados franceses, porque os moldes das telhas eram as coxas dos escravos negros. Como alguns tinham a coxa mais grossa que outros, o telhado não ficava uniforme, surgindo, então, a expressão "Fazer nas coxas".
- Santo do pau oco - No século XVIII, os grandes senhores de terra sonegavam impostos escondendo suas riquezas dentro de imagens ocas de santos.
- Casa da mãe Joana - Na época do Brasil Império, mais especificamente durante a menoridade de Dom Pedro II, os homens que realmente mandavam no país costumavam se encontrar num prostíbulo do Rio de Janeiro, cuja proprietária se chamava Joana. Como esses homens mandavam e desmandavam no país, a frase casa da mãe Joana ficou conhecida como sinônimo de lugar em que ninguém manda.
- Conto do vigário - Duas igrejas de Ouro Preto receberam uma imagem de santa como presente. Para decidir qual das duas ficaria com a escultura, os vigários contariam com a ajuda de Deus, ou melhor, de um burro.O negócio era o seguinte: Colocaram o burro entre as duas paróquias e o animalzinho teria que caminhar até uma delas. A escolhida pelo quadrúpede ficaria com a santa. E foi isso que aconteceu, só que, mais tarde, descobriram que um dos vigários havia treinado o burro. Desse modo, conto do vigário passou a ser sinônimo de falcatrua e malandragem.
- Ficar a ver navios - Dom Sebastião, rei de Portugal, havia morrido na batalha de Alcácer-Quibir, mas seu corpo nunca foi encontrado. Por esse motivo, o povo português se recusava a acreditar na morte do monarca. Era comum as pessoas visitarem o Alto de Santa Catarina, em Lisboa, para esperar pelo rei. Como ele não voltou, o povo ficava a ver navios.
- Não entender patavina – Significa não saber nada sobre determinado assunto. A frase foi inspirada em Tito Lívio, natural de Patavium (hoje Pádova, na Itália), que usava um latim horroroso, originário de sua região. Nem todos entendiam. Daí surgiu o Patavinismo, que originariamente significava não entender Tito Lívio, não entender patavina.
- O pior cego é o que não quer ver - Em 1647, em Nimes, na França, na universidade local, o doutor Vicent de Paul D'Argenrt fez o primeiro transplante de córnea em um aldeão de nome Angel. Foi um sucesso da medicina da época, menos para Angel, que assim que passou a enxergar ficou horrorizado com o mundo que via. Disse que o mundo que ele imagina era muito melhor. Pediu ao cirurgião que arrancasse seus olhos. O caso foi acabar no tribunal de Paris e no Vaticano. Angel ganhou a causa e entrou para a história como o cego que não quis ver.
Não se sabe ao certo quando os ditos populares surgiram. Pelo visto, deve fazer bastante tempo, porque alguns datam de séculos atrás. A relação com o folclore é estreita, pois remete aos costumes e vivências dos povos. É uma cultura aberta, que vai se modificando, e acaba transformando-se em linguagens especiais, passíveis de serem estudadas, compreendidas e catalogadas.
Com o tempo, são passadas de uma geração a outra. Muitas vezes através da imaginação, quando o povo busca explicar os mistérios da natureza onde vivem, abrandar seus temores através da religião e compreender a vida de um modo geral.
Os ditos populares são representados por tradições e crenças expressas das mais diversas formas. Supõe-se que alguns sejam reais, como os citados acima, e outros são considerados fruto da imaginação do homem, uma “mentira dita muitas vezes” que com o tempo é aceita como verdade absoluta, e acaba sendo praticada por um grande número de pessoas.
Mas não pense que os ditos populares são apenas aqueles tradicionais, de anos atrás. Exemplos reais de que nós continuamos criando esses ditos são as frases: “Não é brinquedo não”, “Ninguém merece” e o mais recente “Catiguria”, bordão da personagem Bebel, da novela “Paraíso Tropical”, da Rede Globo. Pode –se dizer que a televisão, através das novelas e reality shows é a grande propulsora do linguajar popular amplamente praticado pela população. Mesmo quem não assiste a esses programas acaba “vítima” do processo de repetição incansável do personagem ilustrador de tais ditos. Aos companheiros e ferrenhos críticos das alienações provocadas por nossa televisão, não se revoltem e pratiquem, também, nossos novos ditos populares. Afinal de contas, a voz do povo é a voz de Deus.
Para quem é curioso e gosta de meter o bedelho em tudo, segue abaixo mais alguns ditados populares da cultura brasileira.
- BICHO-DE-SETE-CABEÇAS - Quer dizer um problema muito complicado.
- DAR NÓ EM PINGO D'ÁGUA - Quer dizer fazer uma coisa muito difícil.
- FAZER COM O PÉ NAS COSTAS - Quer dizer fazer algo com muita facilidade.
- DEIXAR A PETECA CAIR - Quer dizer desistir, desanimar.
- DOR-NO-COTOVELO - Quer dizer inveja ou ciúme.
- MATANDO CACHORRO A GRITO - Quer dizer estar numa situação bem difícil.
- FICAR COM A PULGA ATRÁS DA ORELHA - Quer dizer ficar desconfiado.
- PINTAR O SETE - Quer dizer fazer muita bagunça.
- MARIA-VAI-COM-AS-OUTRAS - Quer dizer a pessoa que só faz o que os outros fazem.
- ENTRAR PELO CANO - Quer dizer se dar mal.
- TOMAR CHÁ DE SUMIÇO - Quer dizer desaparecer, ir embora.
- DAR UM RISO AMARELO - Quer dizer ficar encabulado, sem graça.
- VÁ LAMBER SABÃO - Quer dizer não perturbe, não aborreça, não enche.
- DAR NO PÉ - Quer dizer fugir, ir embora bem depressa.
As expressões e ditados populares utilizados no texto foram tirados do site: www.brasilcultura.com.br